COMO AFASTAR O CETICISMO SOBRE A EFICIÊNCIA DA MEDIAÇÃO EM PROCESSOS DE INSOLVÊNCIA

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Por Gustavo Milaré1

Dados da Serasa Experian demonstram que, no primeiro trimestre, houve um aumento de 37,6% nos pedidos de recuperação judicial comparado com o mesmo período de 2022, enquanto os de falências subiram 44,1%. Em termos de recuperações judiciais e falências decretadas, os números alcançam, respectivamente, 51% e 3,7%2. E o ano está apenas no começo.

No início de 2021, entrou em vigor a lei 14.112/20, que reformou a lei 11.101/05 (LREF), com o objetivo de torná-la mais aderente à realidade jurídica, econômica, política e social do país.

Dentre as novidades trazidas pela lei 14.112/20, foi admitido o uso da mediação antes ou durante o trâmite dos processos de insolvência, ou seja, de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência (LREF, arts. 20-A a 20-D).

A experiência prática mostra que a aplicação e a avaliação da mediação dependem da correta compreensão do seu objetivo por todos os agentes envolvidos: advogados, assessores financeiros, administradores judiciais, magistrados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e, claro, mediadores.

De modo geral, pode-se afirmar que a mediação é um método de solução de conflitos, voluntário, flexível e confidencial, conduzido por um terceiro (mediador), neutro e imparcial, que busca facilitar o diálogo das partes, para que elas negociem, com urbanidade, cooperação e informação adequada, a solução que melhor corresponda aos seus interesses em disputa.

Em processos de insolvência, o objetivo da mediação é estabelecer um diálogo produtivo entre as partes, direcionado à melhor solução para a superação da crise econômico-financeira do devedor, materializada, em nosso sistema concursal, por um plano vinculativo se aprovado pela maioria dos credores.3

Para estabelecer um diálogo que dê voz aos participantes, é preciso democratizar a informação, empoderar credores, em especial aqueles com valores de menor expressão econômica, e mapear pontos de convergência e de divergência entre o devedor e os credores, bem como possíveis pontos de resistência, internos e externos.

Experiências em diversas localidades do Brasil têm confirmado que, por meio de um diálogo produtivo, a mediação tem facilitado e incentivado as negociações entre as partes, reduzido assimetrias de informações e contribuído para uma solução mais rápida, econômica e adequada para os conflitos surgidos ou já existentes e, assim, para o próprio processo.4

Em outras palavras, a mediação tem servido como um verdadeiro mapa para os agentes envolvidos nos processos de insolvência sobre as possibilidades de consenso entre devedor e credores e, por consequência, de efetividade processual.

A correta compreensão do objetivo da mediação passa, então, pela correta compreensão também da figura do mediador como gestor do diálogo entre as partes5. Assim, não lhe cabe fazer análises econômico-financeiras do devedor, nem lhe fiscalizá-lo ou julgá-lo, muito menos negociar contra ou a favor dele.

Saber o que é e como funciona a mediação é fundamental para afastar o ceticismo sobre a sua eficiência6 e, assim, para a sua consolidação no sistema de insolvência brasileiro, em especial considerando o crescente aumento nos pedidos de recuperação e de falência.

 


 

1Mediador, advogado e professor. Sócio fundador de Gustavo Milaré – Resolução de Conflitos. Graduado em Direito pela USP – Universidade de São Paulo, onde também obteve os títulos de Mestre e Doutor em Direito Processual Civil. Capacitado em Mediação pela Mediaras Mediaciones Privadas e pela Algi Mediação, bem como em Negociação pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Mediação de Conflitos Complexos e Multipartes e em Negociação pelo PON – Program on Negotiation at Harvard Law School. Capacitado e certificado em Dispute Board (inclusive para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016) pela DRBF – Dispute Resolution Board Foundation. Fellow do CIArb – Chartered Institute of Arbitrators. Integra a lista de mediadores da MedArbRB e de várias outras câmaras. Membro de diversas entidades, como a TMA Brasil e a INSOL International. Membro Efetivo da Comissão de Soluções Consensuais da OAB/SP – Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (triênio 2022-2024).

2Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/04/13/alta-da-inadimplencia-pressiona-pedidos-de-recuperacao-judicial.ghtml. Acesso em 14 abr. 2023.

3CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A Recuperação Judicial de Sociedade por Ações: o princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 427.

4VASCONCELOS, Ronaldo; HANESAKA, Thais D´Angelo da Silva; CARNAÚBA, César Augusto Martins. Mediação na recuperação judicial: paralelos com a evolução estrangeira. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, v. 16, n. 62, p. 45-81, jul./set. 2019.

5Juan Carlos Vezzulla afirma que “[O] mediador é tão somente a parteira, que ajuda a dar à luz os reais interesses que possibilitarão o acordo final” (Teoria e prática da mediação. Curitiba: IMAP, 1998, p. 44-45).

6Por exemplo: COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas: Lei 14.112/20, nova Lei de Falências. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 95-98.

 


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A Recuperação Judicial de Sociedade por Ações: o princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência. São Paulo: Malheiros, 2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas: Lei 14.112/20, nova Lei de Falências, 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.